“The Revenge of Shinobi” e “Streets of Rage” são com certeza dois clássicos absolutos do Mega Drive, que além do console, compartilham outra coisa: o nome de Noriyoshi Ohba, que foi o diretor de ambos os jogos.

Ele iniciou sua carreira de game designer em 1987 quando começou a trabalhar na Sega, sendo o seu primeiro trabalho o título “Wonder Boy in Monster Land” para o Master System. Mas o seu grande momento veio mesmo com “The Revenge of Shinobi” lançado em 1991 e introduzindo o ninja Joe Musashi no 16 Bits da Sega. Logo após começou outro projeto e em 1991 emplacou outro sucesso, “Streets of Rage” – ele dirigiu também as outras duas sequências.

Ohba ainda trabalhou nos games “Clockwork Knight”, “Sakura Wars”, “Nights into Dreams”, “Skies of Arcadia” para Saturn/Dreamcast, entre outros, até deixar a Sega em 2004 e trabalhar em outras empresas até que em 2010 se juntou à desenvolvedora japonesa Premium Agency, ao lado de Yu Suzuki, outro nome lendário da Sega.

Confira abaixo uma entrevista que está disponível no livro “Sega Mega Drive/Genesis: Collected Works”, onde ele conta como foi deixar o seu nome na história com estes dois super jogos, lembrados até hoje com muito carinho pelos fãs.

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Entrevista

Quando você começou a jogar videogames?

Quando eu era um adolescente não havia nenhum console no mercado, então o meu primeiro foi o Family Computer Disk System [acessório para o Nintendinho 8 Bits que usava disquetes], que saiu quando eu estava na universidade. “Space Invaders” foi lançado quando eu estava no ensino médio, e eu costumava jogar muito nos cafés. Eu também jogava muitas vezes “PanzerBlitz” e “Panzer Leader” [jogos de tabuleiros lançados nos anos 70] da Avalon Hill. Esses jogos de tabuleiro estavam entre os primeiros a apresentarem um design aberto que permitia aos jogadores criarem os seus próprios cenários. Eu acho que aprendi o design de jogos eletrônicos através de jogos de tabuleiro.

Como você começou trabalhar para a Sega?

Na universidade eu estudava economia e negócios, e me especializava em marketing e estatística. Na indústria de fabricação japonesa naquele tempo, era somente as envolvidas com brinquedos, games ou companhias da papelaria que empregavam diplomados fora das ciências exatas. Eu queria prosseguir em uma carreira relacionada com a fabricação de produtos, por isso optei pela indústria de jogos. A Sega foi a primeira empresa em que trabalhei, e fui contratado como planejador, apesar de não ter nenhum conhecimento especializado na época. O primeiro título em que trabalhei foi o clássico “Wonder Boy in Monster Land”, que me ensinou os conceitos básicos de desenvolvimento de jogos e habilidades computacionais. Eu também aprendi muito sobre o design de níveis e equilíbrio. “Monster Land” foi inovador como um jogo de arcade e tinha elementos de design e equilíbrio que eram semelhantes aos jogos de console doméstico.

Wonder Boy in Monster Land

Quais foram os principais desafios técnicos do desenvolvimento no Mega Drive?

O Mega Drive era de ponta naquela época, e o hardware era fácil de trabalhar, então não havia muito desafio – o Master System era muito mais desafiador. Eu diria que a coisa mais difícil sobre o desenvolvimento no Mega Drive foi encontrar maneiras de maximizar seu potencial.

O Super Shinobi/The Revenge of Shinobi trouxe a aclamada série de arcade para console. Você pode descrever como o projeto começou

O jogo de arcade Shinobi era muito popular [foi lançado em 1987]. Ele foi desenvolvido por outra equipe, mas fomos incumbidos de desenvolver a versão do console doméstico. Eu era o principal designer e diretor de uma pequena equipe de desenvolvimento – composta por um planejador, três programadores em tempo integral, quatro designers em tempo integral e Yuzo Koshiro para o som. Embora tenhamos mantido o tema ninja da versão arcade, alteramos completamente o design e sistema do jogo para destacar as características do console doméstico – que foi o que fez o jogo tão bem sucedido.

tela de abertura marcou época

Em sua opinião, quais são as principais diferenças entre um jogo de arcade e um jogo de console doméstico?

Jogos de arcade você aprecia por três minutos por 100 ienes [cerca de R$ 3 na cotação do dia] e eles te fazem feliz. Por outro lado, os jogos de console doméstico custam 5.800 ienes [cerca de R$ 180] e têm de proporcionar jogabilidade por muitas horas sem entediar o jogador. Eu tinha consciência de levar em conta essas distinções. Quanto ao design do jogo, a principal diferença é que os jogos de console doméstico têm pontos de saúde – ou um medidor de vida – e o HP máximo se acumula ao longo do jogo. Com o “Super Shinobi” eu mantive a característica em que se o jogador cai em um poço sem fundo, eles morrem – o que é o mesmo que na versão arcade e preservou a sensação de tensão no jogo. No entanto, o jogador não morre quando é atingido por um inimigo. Como designer isso dá um grau de liberdade ao definir o nível de dificuldade para os chefes nas fases posteriores do jogo. Quanto maior a liberdade a este respeito, mais provável é que você possa criar um jogo que ofereça diversão duradoura, bem como um sentimento de realização e satisfação para o jogador quando concluir cada estágio individual.

Os filmes de ação ocidentais influenciaram os ajustes ostensivamente americanos do jogo?

Eu assisti vários gêneros de filmes para referência, mas eu não acho que eles influenciaram particularmente as configurações. O retrato ocidental de ninjas é ligeiramente diferente do japonês, por isso tentei fazer com que os personagens correspondessem a esta imagem ocidental tanto quanto possível, tendo o cuidado de não fazê-los parecer falsos. Isso foi muito desafiador. Eu acho que os ocidentais vêem os ninjas como personagens do tipo Superman ou feiticeiros, enquanto os japoneses os imaginam mais como artistas marciais. Eu encontrei Sho Kosugi [um ator e artista marcial japonês que fez vários filmes ocidentais sobre ninjas nos anos 70/80] atuando nos filmes de ninja americanos para ser uma referência muito útil – embora eu senti que o filme em si era bastante falso.

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Como você se sente com a série Shinobi em relação a outros jogos de plataforma da época?

Nós chamamos jogos como The Super Shinobi de “ação atlética” – habilidades como o salto duplo e salto de parede exemplificam as características atléticas do protagonista. Para torná-lo mais interessante, tentamos criar variações na ação, dependendo da situação em que o jogador estava. Uma das principais características do jogo foram os níveis projetados para melhorar gradualmente as habilidades do jogador, maximizando sua satisfação ao concluir um nível. Por exemplo, o maior salto foi no estágio 6 – o estágio de China Town – e o salto mais difícil foi no estágio 7 – o estádio do porto. Se um jogador pudesse completar o estágio 6, ele também deveria ser capaz de completar o estágio 7. Se ele aprendeu a usar o ‘Jutsu de Fushin’ (magia de levitação), concluir o jogo ficava muito mais fácil. Havia muitas maneiras para os jogadores derrotar os inimigos – o chefe dinossauro gigante, por exemplo, poderia ser derrotado com apenas oito ataques se o jogador tivesse os power-ups. Para manter os power-ups, a técnica “Jutsu de Ikazuchi” (magia de defesa) era eficaz. Para derrotá-lo ainda mais rápido, o jogador poderia usar apenas três ataques usando a técnica “Jitsu de Mijin” (magia de auto-destruição). Assim, se um jogador tivesse pelo menos quatro vidas nesse ponto, era possível completar o estágio.

Seu próximo projeto na Sega foi Bare Knuckle/Streets of Rage. Como surgiu essa ideia?

Após o desenvolvimento de The Super Shinobi estar finalizado, eu discuti com Yuzo Koshiro algumas ideias para fazer um jogo do tipo “Street Karate” [pancadaria de rua]. Olhamos títulos como “Double Dragon” e “Final Fight” e usamos programas de TV policiais como Starsky & Hutch e O Esquadrão Classe A como referência – então nós criamos o conceito inicial de Bare Knuckle [você pode ler mais detalhadamente essa história clicando aqui].

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Por que você acha que o gênero beat ‘em up tornou-se tão popular na época?

Era popular pois era muito estimulante de se jogar e também oferecia um modo multiplayer. Mas nós achamos que os outros jogos neste gênero estavam faltando alguma coisa, então projetamos Bare Knuckle para incluir elementos mais cooperativos, então a satisfação era derivada das conquistas e do jogo estratégico ao invés de apenas a performance solitária.

Na sua opinião, quais foram os elementos mais importantes em Bare Knuckle?

O que mais me importava era o sistema de combate – seus elementos estratégicos e como era a sensação ao jogar. O conceito básico dos inimigos é muito simples – eles se movimentam para cercar o jogador – então a chave é o jogador se mover de tal maneira a evitar isso. Desenvolvemos uma série de movimentos para permitir o jogo estratégico. ‘Saltar enquanto segurando’ permitiu que um jogador saltasse sobre inimigos para escapar de um cerco. ‘Jogar’ permitiu ao jogador jogar o inimigo para a frente ou para trás. O inimigo jogado também tinha detecção de colisão, então você poderia usar isso taticamente para evitar ser cercado. “Atacar a partir da parte de trás” é um ataque reverso que oferece ao jogador uma opção se rapidamente abordado por trás. Este sistema de combate variado proporcionou aos jogadores escolhas e, como tal, um sentimento de realização.

Streets of Rage inovou com mecânicas de cooperatividade

Você sempre planejou para Bare Knuckle ser uma série?

Nós não esperávamos, mas eu sempre tinha a esperança de fazer um título que se tornaria uma série. Em Bare Knuckle II, a principal característica foi o aumento da gama de movimentos, que esperávamos que fosse aumentar a sensação de satisfação. Tivemos que reduzir alguns dos elementos estratégicos, mas acho que foi um sucesso à sua maneira.

O nível de experimentação parece aumentar com o segundo título, com inimigos mais variados e ambientes mais estranhos – um navio pirata e um pântano entre eles. Você sentiu que você poderia realmente ser criativo com a série neste momento?

Mesmo no original Bare Knuckle, tínhamos alguns elementos surrealistas – o policial atirando numa bazuca, por exemplo. Esses aspectos foram escalados nas sequências, pois como uma equipe nós apreciamos uma atmosfera extremamente criativa, então poderíamos explorar muitas ideias para criar jogabilidade divertida e interessante. Com Bare Knuckle III, experimentei a narrativa e desenvolvi várias linhas de enredo e finais – algo que eu queria fazer desde o The Super Shinobi, que tinha dois finais possíveis. Também introduzimos um canguru como um dos personagens do jogador e aumentamos a velocidade de ação geral no jogo.

Streets of Rage 2 aumentou as possibilidades do jogo

Por que Adam não aparece em Bare Knuckle II?

Ele aparece, como um personagem que é sequestrado. Eu queria aumentar a variedade de ações, então acrescentamos personagens com poder – Max – e com velocidade – Sammy. No entanto, devido à capacidade de memória do jogo, apenas quatro personagens puderam ser incluídos. Como Axel e Adam são semelhantes, e Sammy é irmão de Adam, decidimos cortá-lo.

Qual é o segredo para se criar um encontro de chefe memorável?

Para mim é tudo sobre a inclusão de elementos estratégicos para o jogador dominar e projetar os movimentos do chefão de tal forma que o jogador possa descobrir a estratégia de ataque certo. Além disso, é muito importante fazer o chefão parecer forte.

Qual foi o seu título favorito para o Mega Drive?

Tem que ser The Super Shinobi. Esse foi o meu primeiro sucesso.

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