Tanglewood, jogo inédito em desenvolvimento pelo estúdio independente inglês Big Evil Corporation para o Mega Drive já tem data de lançamento marcada, e está perto: 14 de agosto.

Para quem não se lembra, o projeto surgiu em 2016 por meio de uma campanha de financiamento coletivo no Kickstarter, e tem como protagonista Nymn, uma criatura parecida com uma raposa do reino de Tanglewood, que se separou do resto do grupo e precisa dar um jeito de encontrar seus amigos e familiares até o dia amanhecer.

Para isso ele terá de enfrentar os perigos da noite, escapar de armadilhas e dar um jeito de derrotar predadores ferozes. O jogo é descrito como do gênero plataforma com elementos de resolução de quebra-cabeças, em uma “mistura de Out of This World e The Lion King“.

Além de cópias digitais, o game será lançado em formato físico com caixa manual, além de versões para PC (Steam), Mac e Linux.

E para comemorar esse super lançamento, o Blog Tectoy conversou com o brasileiro Agostinho Barone, que foi um dos testadores Beta Testers durante o desenvolvimento do game. Além dele, Matt Phillips, o criador do jogo, também respondeu algumas perguntas.

ENTREVISTA

Olá Agostinho, faça sua apresentação para os nossos leitores e diga qual o seu envolvimento com Tanglewood.

Sou líder de desenvolvimento na Monitora Soluções Tecnológicas, localizada em São Carlos-SP. Trabalho com desenvolvimento e manutenção de sistemas financeiros.

Tomei conhecimento sobre o projeto Tanglewood em 2016 e desde então passei a acompanhar o seu progresso. No final de abril, o Matt (criador do jogo) anunciou no Kickstarter que os backers do projeto poderiam se candidatar a participar da fase de Closed Beta Testing do jogo.

Além disso, ele também convidou os membros do Plutiedev (canal para desenvolvedores e hackers de Mega Drive) no Discord a se candidatarem. Eu me interessei pela oportunidade e me candidatei. Após aprovação, eu assinei um termo de confidencialidade e comecei a testar o jogo.

Explique com detalhes como foi o seu trabalho durante o Closed Beta do Tanglewood. Quantas pessoas participaram?

A ideia inicial era nos concentrarmos apenas na jogabilidade uma vez que o último relatório do time especializado de Quality Assurance não havia apontado problemas graves com o jogo, como travamentos e telas de erro.

Entretanto, logo nos primeiros dias já encontramos alguns cenários que poderiam causar telas de erro e isso acabou aumentando o escopo dos nossos testes.

Continuamos discutindo com o Matt sobre questões de jogabilidade como balanceamento da dificuldade, adição/remoção de alguns checkpoints, detecção de colisão, etc. Mas ao mesmo tempo sempre tentando encontrar novos cenários que causassem bugs graves, reportando qualquer tipo de problema técnico que pudesse vir a irritar os jogadores (falhas no som, defeitos gráficos, etc.) ou mesmo detalhes menores como a mensagem de copyright na tela de título do jogo sendo cortada pelo overscan em TVs CRT.

Trabalhei principalmente durante os finais de semana e tive o cuidado de testar o jogo com diversos modelos de controles, TVs, conexões de vídeo, etc.  Compartilhei com o Matt mais de 130 vídeos sobre problemas e pontos a serem melhorados, utilizando hardware real na maior parte do tempo.

Contamos com pessoas de vários países no time e isso foi bastante interessante pois cada um utilizava equipamentos diferentes e focava em aspectos diferentes do jogo. Naturalmente fomos construindo um entrosamento que nos permitiu trabalhar no jogo quase ininterruptamente, com um sempre ajudando o outro a delimitar cenários e capturar evidências.

Não havia uma escala de horários pré-definida mas tenho certeza que fizemos o máximo possível, várias vezes iniciando antes do sol nascer e parando após a meia-noite.

Foi um processo desgastante mas ao mesmo tempo muito enriquecedor e positivo pois pudemos ver a qualidade do jogo evoluindo a cada dia e muito do feedback do nosso time sendo incorporado no produto final.

Quais modelos de Mega Drive foram usados para os testes?

Eu utilizei Mega Drive, Mega CD 2 e Super 32X japoneses, além do Dynacom Megavision e do Mega Drive que a Tectoy relançou recentemente.

A lista completa de tudo que utilizamos pra testar o Tanglewood é esta:

  • AtGames Firecore Console
  • AtGames Firecore Handheld
  • AtGames Flashback
  • Cross Products Mega-CD
  • Dynacom Megavision
  • Hamy HG-806 PocketGame
  • Hyperkin RetroN 5
  • JVC X’Eye
  • NEC LaserActive
  • Pioneer LaserActive
  • Sega Genesis VA3
  • Sega Genesis VA4 + Mega-CD + Sega 32X
  • Sega Genesis socket CPU + Mega-CD + Sega 32X
  • Sega Mega Drive VA4 + Mega-CD + Sega 32X
  • Sega Mega Drive VA5 + Mega-CD 2 + Super 32X
  • Sega Mega Drive VA6 + Mega-CD + Sega 32X
  • Sega Mega Drive II + Mega-CD + Sega 32X
  • Sega Multi-Mega
  • Sega Nomad
  • Sega Teradrive
  • Tectoy Mega Drive
  • Victor Wondermega

Quais foram as maiores dificuldades encontradas? E como elas são solucionadas?

Um dos desafios foi testar no maior número possível de modelos de Mega Drive, pois o Matt colocou como uma das metas conseguir completar o jogo sem travamentos em qualquer Mega Drive de qualquer região, oficial ou não.

Surgiram problemas principalmente com relação ao áudio, cujo hardware é muito difícil de ser recriado sem os componentes originais e portanto imperfeito em todos os clones lançados mais recentemente.

O Tanglewood utiliza alguns recursos pouco conhecidos do processador YM2612 e vários clones não suportam tais recursos. Sendo assim, o Matt precisou escrever um método de inicialização do jogo capaz de identificar que tipo de hardware está sendo utilizado e ajustar adequadamente algumas funcionalidades do jogo.

Foi também adicionada uma opção específica no menu do jogo para que seja possível desabilitar a utilização da funcionalidade de geração de envelope do YM2612 nos aparelhos que não a suportam e que não podem ser identificados corretamente durante a inicialização.

Em termos de bugs, aqueles causados por trechos de código até então tidos como “seguros” são sempre os piores.

Um dos problemas que encontramos durante as semanas de Beta Testing foi que em alguns poucos lugares muito específicos era possível transpor o chão do cenário e cair em um “limbo”. E isso deu muito trabalho para ser consertado pois a causa raiz estava no editor de fases e não no jogo em si.

Outro problema que trouxe bastante dor de cabeça foi um defeito gráfico que acontecia somente no Mega Drive da Tectoy. É preciso ter um encapsulamento especial nas transferências de dados para a VRAM utilizando DMA, do contrário glitches gráficos na animação podem ocorrer.

E essa informação não estava documentada em lugar algum mas graças a uma postagem do Stéphane Dallongeville (criador do emulador Gens e do SGDK) no fórum spritesmind foi possível corrigir o problema.

O mais interessante é que isso também corrigiu um defeito gráfico sutil e muito raro que acontecia nos Mega Drives da Sega.

Esses defeitos que citei levaram semanas para serem corrigidos completamente.

O que é preciso para uma pessoa se tornar uma Beta Tester?

Matt: Você deve ter um olhar especial para possíveis problemas, ter atenção a detalhes e possuir a habilidade de explicar com clareza quando alguma coisa te parece estar errada.

Algumas vezes uma mecânica de jogo ou cena pode parecer fora de lugar ou te passar a sensação de que algo está faltando; mas não é trivial ser capaz de colocar isso em palavras de modo que o time de desenvolvimento consiga entender o problema e agir sobre ele.

Qualquer um é capaz de dizer “os controles não estão funcionando bem“, porém, como Beta Tester você precisa explicar isso melhor e dizer “parece existir um pequeno atraso na resposta ao comando de pulo” ou “o jogador não consegue pular enquanto a animação de transição está sendo renderizada e isso faz com que os controles pareçam não responder adequadamente“.

Agostinho: Além do que o Matt disse, é importante você ter consciência de que o seu trabalho faz parte da garantia de qualidade do jogo; então não se deve deixar de relatar nenhum bug ou problema de jogabilidade, por mais insignificante que eles possam te parecer. O sucesso comercial do jogo também depende do quanto você se esforçou em encontrar e comunicar problemas que poderiam prejudicar a experiência do jogador.

Você teve contato direto com o criador do jogo Matt Phillips? Quem mais está envolvido na produção do jogo?

Agostinho: Sim, nos falamos diariamente pelo Discord. Todos os bugs e sugestões de melhoria foram relatados diretamente a ele, que sempre teve o cuidado de discutir a importância que eu enxergava em cada um desses itens que eu relatava.

Matt: Um time fantástico está envolvido na produção do Tanglewood:

– Armen Mardirrossian (@ArmenMARD80 no Twitter), artista líder de personagens. Trabalhou em “Pier Solar” e “Paprium”.

– Krzysztof Matys (Koyot1222 em demozoo.org), artista de personagens e finalização. Trabalhou em “VilQ Adventure”, “Masiaka”, e “Tanks Furry”.

– Matthew Weekes (@matwekpixel no Twitter), artista de ambientes. Trabalhou em “Freedom Planet” e “Kynseed”.

– Nathan Stanley (@freezedream no Twitter), compositor YM2612 e criador de efeitos sonoros. Lançou um cartucho sonoro para Mega Drive chamado “Today” em 2010 e mais recentemente lançou o álbum “Arrival”.

– Javier “Sik” Degirolmo (@Sikthehedgehog no Twitter) – Desenvolvedor. Trabalhou em “Miniplanets”, “Overdrive” e “Overdrive 2”.

O que pode nos dizer sobre o jogo? Ele está 100% testado e concluído? Quando será o lançamento?

O jogo está 100% testado e concluído e será lançado dia 14 de Agosto. Peço, por favor, a todos os fãs de Mega Drive que acessem a página do jogo no Steam e que adicionem o jogo às suas Wishlists. Isso é muito importante para nós pois o número de interessados pode contribuir para a publicação do jogo em outras plataformas.

Lembrando que quem adquirir o jogo no Steam também receberá uma cópia da ROM do jogo, que pode ser utilizado em qualquer Mega Drive clássico por meio de cartuchos graváveis como o Everdrive ou em modelos que suportam carregamento de ROM a partir de cartões de memória como o que foi lançado recentemente pela Tectoy. Além disso, a ROM também é compatível com qualquer um dos emuladores mais comuns de Mega Drive.

Sobre o jogo… A principal referência de comparação que as pessoas podem ter é o Another World (criado por Éric Chahi e lançado em 1991), mas com a grande vantagem de ter controles muito mais fluídos.

Outros elementos da jogabilidade e apresentação artística me lembram jogos como The Lion King, Pitfall: The Mayan Adventure e Flashback.

E obviamente existem muitas coisas próprias do Tanglewood, cujo design de jogabilidade já incorpora características mais modernas e evita certas práticas apelativas dos anos 1990.

Eu sinceramente acho que é um jogo excelente e que entrega uma qualidade de produção comparável ao que existe de melhor na biblioteca do Mega Drive.

Os mapas não são apenas amontoados de plataformas retangulares; seguem aquele padrão de complexidade e detalhamento da série Sonic onde o terreno pode ter pequenas depressões, montanhas, etc.

A trilha sonora é simplesmente sensacional. O Nathan Stanley fez excelente uso do hardware de som e sabe explorar o chip PSG como poucos; as composições tem um som único diferente de tudo que eu já ouvi no Mega Drive.

Pela sua experiência como beta tester, quais os maiores desafios de se desenvolver um jogo retrô nos dias atuais?

O grau de dificuldade depende muito das ferramentas que você utiliza e dos objetivos que traça para o projeto.

O Matt escolheu o caminho de criar o Tanglewood utilizando um kit de desenvolvimento dos anos 90 e escrevendo 100% do código em assembly 68000. Além disso ele buscou atingir a qualidade de acabamento de um título oficial de Mega Drive da época; e isso dá muito trabalho.

Falando especificamente do Tanglewood, o kit de desenvolvimento precisou de reparos eletrônicos inúmeras vezes, várias ferramentas tiveram de ser escritas do zero, as variações de hardware existentes nos modelos de Mega Drive mais recentes não estavam bem documentadas, etc.

De modo geral, é difícil atender às expectativas dos jogadores de hoje estando limitado a um hardware que foi lançado há 30 anos.

É preciso ter muita criatividade e pessoas na equipe com um nível altíssimo de conhecimento técnico para conseguir superar os obstáculos que vão surgindo a cada dia. E, acima de tudo, dedicação; muita dedicação pois a quantidade de trabalho é insana.

Você lembra de algum bug bem bizarro que aconteceu enquanto você testava o jogo? Conte pra gente.

Houve um problema que só acontecia dos modelos derivados do Red Kid 2500 (como o AtGames Gopher e Mega Drive Tectoy). Se você pausasse e despausasse o jogo apertando junto o botão de pulo, logo você conseguia causar uma tela de erro após um certo tempo.

Além disso, a paleta de cores passava a ter inconsistências. Um bug assustador considerando que já estávamos atrasados em relação ao planejamento inicial dos testes e as informações que apareciam nas telas de erro estavam incompletas.

Testei dezenas de builds diferentes que o Matt me forneceu até que consegui registrar uma tela de erro com as informações completas que precisávamos e a partir daí com mais uma meia-dúzia de tentativas o Matt conseguiu solucionar o problema que era causado pelo fato dessas versões do hardware permitirem escrita de dados em endereços de memória que deveriam estar protegidos de gravação.

Também consegui encontrar uma forma de coletar infinitos itens do jogo explorando uma falha que permitia coletar um ícone que só existia na tela de pausa. Esse eu encontrei um dia depois de já termos finalizado tudo e o Matt acabou tendo de gerar mais uma versão do jogo para corrigir isso.

Quais jogos de Mega Drive você gostaria que tivessem uma continuação no console?

Super Hang-On, Ristar, Mega Turrican, Mickey Mania e Truxton (a continuação só foi portada para FM Towns, infelizmente).

Qual sua história com a Sega e a Tectoy? Você já teve algum console?

Meu primeiro contato direto com algo da Sega foi jogar Sonic The Hedgehog no Mega Drive de um tio. Eu estava acostumado com o Atari 2600 que eu tinha e aquilo parecia ser coisa de outro mundo. Mais ou menos na mesma época eu também joguei o primeiro Streets of Rage na casa de um amigo; totalmente viciante.

Um tempo depois eu ganhei dos meus pais um Mega Drive com Sonic incluso fabricado pela Tectoy no Natal de 1992; depois de muita insistência. E na época foi o único console que eu tive pois depois eu acabei migrando para PCs.

Eu tive alguns brinquedos da Tectoy também, como o Interceptor (carro rádio-controlado).

Qual seu jogo favorito do Mega Drive?

Impossível citar só um. Meus favoritos são Super Hang-On, Golden Axe, Quackshot, Sonic The Hedgehog, Streets of Rage 2, Shinobi III.

Qual dica você dá para os brasileiros que sonham em trabalhar com games?

Matt: Isso não está fora do alcance de ninguém; 2018 é um grande ano para o Mega Drive e o próximo ano será melhor ainda. A cada dia surgem mais recursos e ferramentas para o aprendizado, desenvolvimento e lançamento de jogos para Mega Drive. Existem fóruns e canais de bate-papo especializados, e muitas pessoas dispostas a ajudar você a fazer o seu jogo acontecer. Comunidades de hacking, programação em assembly 68000, hardware, etc. Venham e juntem-se a nós!

O Blog Tectoy gostaria de agradecer ao Agostinho e Matt pela entrevista, além de parabenizar toda a equipe envolvida na produção deste belíssimo novo jogo para o Mega Drive!