Os saudosos Master System e Mega Drive podem estar “aposentados”, mas até hoje eles ainda vivem nas doces lembranças de milhões de jogadores, especialmente dos brasileiros, que tiveram o primeiro contato com os consoles nos anos 90 graças à Tectoy, representante da Sega em terras tupiniquins naquela época.

E hoje trazemos a vocês uma interessante história envolvendo essa paixão. Conversamos com um rapaz conhecido como Enio Garcia (nome artístico), paulista, cujo hobby é desenhar incríveis imagens de jogos (e outras coisas) utilizando o programa Paint (como esse acima). Sim, aquele mesmo dos “bonequinhos palito” e desenhos simples, com funções bem básicas. Confira abaixo alguns dos seus desenhos feitos no programa, um trabalho também conhecido como Pixel Art, e que levaram entre 8 a 10 horas para serem feitos.

Alex Kidd in Miracle World
Sonic The Hedgehog

A intenção era mostrar para as pessoas o que elas poderiam fazer em suas casas usando um programa de fácil acessibilidade para todos“, conta ele quando começou a divulgar seu trabalho na internet.

Enio tem 37 anos e trabalha como vigia em uma empresa, local onde ele faz os seus desenhos já que ele não possui computador em casa. Seu hobby começou há mais de 20 anos, e infelizmente esse período não foi só de alegrias, com o artistas passando por períodos difíceis em sua vida, envolvido com drogas e internações o que o afastou das pinturas. Felizmente, ele conseguiu superar as dificuldades e retornou para a sua antiga paixão de desenhar juntamente com suas doces memórias do Master System e Mega Drive, consoles que marcaram a sua infância.

Conheça a história dele em suas próprias palavras:

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1 – Olá Enio, faça sua apresentação para nós.

Olá, eu me chamo Wolnei Regis de Almeida Silva, mas todos me conhecem como Enio Garcia. Moro na cidade de Araras/SP, tenho 37 anos e trabalho como vigia. Solteiro, mas tenho uma filha e tenho como hobby desenhar no programa Paint Brush.

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Castlevania: Bloodlines – Mega Drive

2 – Conte-nos como começou esse hobby com o Paint, quais foram os seus primeiros trabalhos nele? Por que permaneceu nele e não mudou para programas mais avançados?

Meu hobby começou por acaso. Após meu pai se aposentar de suas atividades no Exército, ele resolveu abrir uma pequena oficina mecânica, onde contratou dois mecânicos e ele ficou com a parte burocrática do negócio. Na época eu estava com meus 14, 15 anos querendo dinheiro para gastar com bobagens de adolescente e tal, meu pai resolveu me colocar como atendente na oficina (pedia peças e recebia dos clientes o serviço). Foi o meu primeiro “emprego”, ganhava 50 reais por semana (risos). Até que um certo dia de manhã, a oficina estava parada e eu estagnado de ficar vendo o relógio dar voltas, foi quando tive a ideia de que no período da tarde voltaria do almoço com uma das minhas miniaturas da Burago [carrinhos colecionáveis], escala 1/18 e me lembro como se fosse ontem: era uma Ferrari F50 amarela e iria tentar copiar os traços dela no Paint. O cenário estava montado e pra ajudar ainda mais contávamos com um computador que se chamava Compaq Presario. Ele tinha um monitor de tubo bem quadrado e dava perfeitamente para colocar a miniatura em cima dele, o que me ajudava a ficar com as linhas do carro na altura da vista. Confesso que não saiu lá aquelas coisas, mas ficou até aceitável, e assim foi o meu primeiro contato mais íntimo com o programa.

No outro dia resolvi levar outra miniatura (um Dodge Viper) e naquele dia foi que percebi que tinha algo maior em mim pra desenhar, pois quando o mecânico entrou no escritório para pegar um peça de reposição para o carro do cliente, ele viu o desenho do Dodge e disse “Uau, você que fez isso?“. Eu fiquei todo orgulhoso, me sentindo um designer de montadora (risos). E tava bem feinho o desenho ainda, mas nunca desisti e com o passar dos dias fui fazendo de tudo um pouco, como caixas de fósforo, casas, peças de carro, etc, e melhorando aos poucos dia a dia.

Eis que então veio os meus 16 pra 17 anos e com eles vieram também meus dias sombrios, conheci as drogas e passei 12 anos, chegando até ao crack. Não desejo isso a ninguém, me afastei do convívio social e consequentemente dos desenhos que tanto amava fazer. Mas, graças a Deus e a minha família que me apoiou na hora que mais precisei, passei por 4 internações e enfim me livrei deste terrível mal. Assim que me restabeleci, fiz um curso de vigilante e fui procurar trabalho, quando encontrei (como porteiro), resolvi retomar meu hobby há anos abandonado. E de certo modo sou um felizardo, pois em todas as guaritas que trabalhei tinha um PC, sendo assim podia desenhar todos os dias!

Quanto a não me aperfeiçoar em programas mais avançados, acho que foi porque me acomodei na situação, meu orgulho era simplesmente mostrar para as pessoas o que eu fazia e ver elas se surpreenderem com aquilo. Eu nem imaginava que poderia usar meus desenhos em alguma coisa, pois naquele tempo não se falava muito em pixel art e nem em programar jogos como hoje em dia. O Paint era visto como inútil, sem necessidade de estar incluso no Windows e algo a ser evitado. Hoje as coisas mudaram, o pixel art está em evidente crescimento e vários programas estão disponíveis para realização de projetos usando os pixels. Porém, nunca os usei e por incrível que pareça nem PC tenho em casa. Gosto do básico mesmo e posso falar sem sombra de duvidas de que o Paint pode e é maior do que muitos pensam. Ele é magnífico, é mágico!

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Decap Attack – Mega Drive

3 – Vários dos seus desenhos são baseados em games, especialmente os do  Master System e Mega Drive. Fale sobre sua história com esses videogames.

Acho que sou um privilegiado quanto ao ano que nasci , em vários aspectos, e quando o assunto é games e consoles me sinto bem a vontade para falar que sou um amante incondicional deles! Meu primeiro console foi um Intellivision dado pelo meu pai, queria um Atari na época e acabei me surpreendendo com o console que ganhei. Era estranho aquele joystick que mais parecia um telefone com um disco embaixo (risos), mas títulos com “Burguer’s Time”, “Bump n’ Jump”, “Triple Action” me marcaram muito e ainda tenho desejo de comprar um assim que for possível.

Mas como tudo na vida evolui, assim foi com os videogames. Do Intellivision passei para o Atari e enfim para o Master System que foi o meu primeiro console de jogos mesmo, onde tinha fases com conteúdos diferenciados e uma história a se seguir. Passei por clássicos como “R-Type”, “OutRun”, “Alex Kidd”, “Kenseiden”, “Hang-On”, sem falar no “Safari Hunt” que usava a pistola Light  Phaser.

Depois entrei em uma época em que chegava os dois consoles mais supra sumo do momento, SNES e Mega Drive, e optei pelo Mega, não que o SNES não fosse bom, porém algo no Mega me atraia mais. Aqueles jogos eram bárbaros, a jogabilidade tanto dos títulos como do próprio controle eram únicos, e tinha jogos como Sonic, Decap Attack, Super Monaco GP, Road Rash e o meu shmup [jogo de nave] preferido Insector X, que me marcaram até hoje.

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Gunstar Heroes – Mega Drive

4 – O que o Master System e o Mega Drive significam na sua vida? Quais suas melhores recordações desses consoles? 

Estes dois consoles me marcaram muito, foram um divisor de águas na minha infância. O que realmente mais me marcou nessa época era o fato de ter aquele gostinho de ir às locadoras e olhar os encartes plastificados dos jogos nas caixinhas. Foi desta forma que conheci muitos títulos bacanas, pois ia na intenção de alugar um jogo e quando chegava na locadora já estava alugado, então para não voltar com a mão vazia escolhia outros títulos. Isso sem falar naquelas travessias de bicicletas pela cidade para trocar/emprestar jogos com colegas que moravam em outros bairros.

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OuttRun – Mega Drive

5 – Sobre os seus pixel art, explique quais são as etapas que você faz? Qual a parte mais difícil de fazê-las? Desenhar um personagem como Sonic, com todos os seus detalhes, como é feito isso?

Acredito eu que as etapas não fogem às demais de outros estilos de desenhos: Primeiro, é buscar por uma referência, no meu caso uso o Google e escolho uma imagem que mais me agrada ou traz lembranças; Segundo, é fazer o desenho tomar forma na tela do PC; Terceiro, dar um primeiro fundo com as cores; e a Quarta parte, que para mim é a que faz a diferença toda: o sombreado. Um bom sombreado faz qualquer desenho saltar da tela. Considero particularmente a parte mais difícil fazer com que o personagem se encaixe no cenário com o tamanho certo ou próximo do aceitável. Como na maioria das vezes deixo o personagem por último e o cenário de fundo já está feito, não posso desenhar por cima do cenário, porque se eu errar terei que apagar o erro juntamente com o fundo, então costumo sempre trabalhar com a largura da página ampliada em 2 vezes o tamanho da tela. Assim faço o personagem fora e depois arrasto o mesmo para cima do cenário, e nessas horas, muitas vezes o personagem sai maior ou menor do que o esperado, e isso é frustrante para quem desenha sem usar medidas.

Meus desenhos são feitos usando pouquíssimas ferramentas. Para personagens uso 90% a ferramenta Linha Curva, 5% a Linha Reta e os outros 5% são as Cores. Jamais uso a ferramenta Lápis, ela só é usada para apagar linhas extras que as vezes passam de um certo ponto e saem para fora do limite do desenho. As pessoas costumam perguntar como os desenhos podem ficar bem feitos, e a resposta é justamente por não usar o Lápis. Essa ferramenta pega as tremidas da mão, tornando quase que surreal fazer algo com ela. A criação do personagem também não tem milagre, é ir olhando a referência e copiando traço a traço, e conforme a figura vai criando forma, a sensação é indescritível.

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Super Monaco GP – Mega Drive

6 – Como tem sido a recepção das pessoas com os seus desenhos nas redes sociais? O que a sua família e amigos acham desse seu hobby?

A recepção das pessoas são as mais variadas possíveis. Uns gostam, outros não. Algumas pessoas acreditam que seja feito no Paint, outras não, mas na grande maioria sou sempre bem aceito nos grupos de desenhos e de games. Amigos por incrível que pareça tenho poucos, pois sou uma pessoa caseira e não saio muito, e os poucos que tenho já se acostumaram com os desenhos, mas sempre estão dando aquela força. Já minha família sempre apoiou muito, principalmente meu pai , ele vive falando: “Poxa rapaz, você tem que ir atrás de algum curso e ganhar dinheiro com isso”. Porém eu meio que me acomodei na situação, e só agora que estou começando a acreditar que seja possível ter um retorno financeiro com esta minha arte, isto devido aos vários membros de diversos grupos falarem da possibilidade de criar jogos ou participar da criação deles.

7 –  Muito obrigado pela entrevista Enio, algumas palavras finais?

Eu que agradeço a todos vocês da Gamehall/Tectoy pela força. Queria me despedir com uma frase do Ayrton Senna que eu levo comigo: “Sempre faça tudo com muito amor e com muita Fé em Deus , que um dia você chega lá“. Valeu valeu pessoal \o !!!

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Gostaríamos de agradecer pela entrevista e desejar boa sorte ao Enio/Wolnei nessa sua nova empreitada na vida, e que consiga realizar o sonho de trabalhar (e ganhar dinheiro) com o hobby que tanto ama fazer!

Confira abaixo mais algumas imagens feitas por ele:

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Blades of Vengeance – Mega Drivecastleofillusion

Castle of Illusion – Master System

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Fantasy Zone – Master System

gamegear

Game Gear
phelios

Phelios – Mega Drivequackshot

Quackshot – Mega Driveristar2

Ristar – Mega Drivertype

R-Type – Master System

side-pocket

Side Pocket – Mega Drive

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Streets of Rage 3 – Mega Drive

senna senna2