Se você é um daqueles jogadores que adora ouvir trilhas sonoras de videogames, certamente já deve ter se deparado com a banda brasileira chamada MegaDriver, que surgiu em Piracicaba, no interior de São Paulo.

Formada pelo guitarrista Antonio “Nino Megadriver” Tornisiello no começo dos anos 2000, o grupo ganhou destaque no cenário cultural brasileiro por tocar versões Heavy Metal de jogos clássicos, em especial os da Sega/Mega Drive, pela qual o músico possui um carinho especial.

Nesses mais de 10 anos de carreira, a MegaDriver já lançou vários álbuns (todos disponíveis gratuitamente no site oficial da banda) homenageando vários games, personagens e compositores, além de conquistar reconhecimento internacional com shows nos Estados Unidos (MAGFest), e em vários festivais de animes e games populares, como o Brasil Game Show e o Video Games Live, por exemplo.

Além do estilo Metal, a banda também é bem conhecida pelas suas guitarras customizadas com a carcaça de um Mega Drive, o rosto de Sonic The Hedgehog e até mesmo o machado de Gilius Thunderhead, o anão bárbaro de Golden Axe.

Nós batemos um papo com o Nino, que falou sobre as origens da banda, suas influências musicais, a experiência adquirida pela banda, e muito mais. Confira essas incríveis histórias nas próprias palavras de Nino MegaDriver:

a banda Megadriver é formada por Bruno (guitarra), Allan (vocais), Arthur (baixo), Daniel (bateria), Markolios (visual FX) e Nino

ENTREVISTA

1 – Olá Nino, faça sua apresentação para os nossos leitores e conte como é sua relação com videogames, em especial com o Mega Drive.

Sou um cara que respira Heavy Metal e Videogames e essas duas paixões me levaram a formar a banda MegaDriver. Quando era adolescente, vivia nos fliperamas! Antes dos jogos de luta como Street Fighter 2 e The King Of Fighters, era super viciado em games como Golden Axe, Altered Beast, E-Swat, Shinobi, Shadow Dancer, Thunder Blade, etc. Lembro que uma das primeiras propagandas do Mega Drive no Brasil era algo como, “tenha um arcade na sua casa“.

Foi isso que me fez comprar meu primeiro Mega Drive. Embora hoje seja um fã de Sonic, na época eu queria a versão do console que vinha com o cartucho do Altered Beast, pois jogava nos fliperamas! E foi assim também com o Master System, que acabei comprando quase que exclusivamente para jogar Double Dragon, outro game que também era super viciado nos fliperamas. É óbvio que depois também acabei comprando um Super Nes, para jogar Street Fighter 2 e Final Fight, e o próprio NES, para jogar TMNT 2.

Como todo fã assíduo de videogames, também aprecio outros consoles e curto o que há de bom em cada um deles. Mas o Mega Drive tem uma mágica a mais que sempre me encantou, além de toda essa conexão com os fliperamas, a trilha sonora dos jogos do console são fantásticas. Alguém tem alguma dúvida disso em relação a Streets Of Rage, The Revenge Of Shinobi, etc? Yuzo Koshiro me fez amar o chipzinho de música do Mega Drive, para os íntimos, o tal do YM2612.

2 – Somo surgiu a banda MegaDriver? Quais são seus membros?

No começo dos anos 90, meu Mega Drive ficava ligado a um aparelho de som, daqueles antigões, 3-em-1. Era muito comum entrar no Sound Test e ficar curtindo as músicas com caixas de som mais potentes. Como também sempre fui fã de Heavy Metal, outra coisa que também fazia era jogar os games ouvindo bandas que eu curtia na época. Não demorou muito para começar a perceber a semelhança entre as músicas dessas bandas e a de alguns jogos.

Por exemplo, Golden Axe foi uma grande inspiração. Tem jogo mais Heavy Metal do que Golden Axe? Enfim, desde quando comecei a tocar guitarra, sempre tirei os temas dos jogos que mais gostava no instrumento. Sempre tive a vontade de ouvir as músicas dos jogos tocadas por uma banda de verdade, ao vivo, com instrumentos reais e no estilo Heavy Metal. Tentei impor a ideia de tocar músicas de games em praticamente todas as bandas de garagem que participei ao longo dos anos. Mas veja bem, este tipo de coisa há mais de 20 anos atrás não era muito bem vista. Hoje está na moda falar que é nerd, gritar Bazinga, andar vestido de Darth Vader, etc, mas naquela época era bem diferente. Então, quando eu chegava numa banda e dizia, “Vamos tocar a música do Sonic“, a resposta era, “Não queremos morrer solteiro“. Então, acabei desistindo da ideia da banda por um tempo. Alguns anos depois, no final dos anos 90, um amigo me incentivou a ser “Tr00” (termo usado no Black Metal para dizer quando o artista é realmente fiel ao que faz), seguir os passos do Bathory, praticamente um projeto de um homem só, e uma das bandas que mais gosto, e fazer tudo sozinho.

Foi daí que montei meu primeiro projeto, o “nino.com.br”, onde gravava de forma bem grosseira as músicas dos games que mais curtia, fazendo todos os instrumentos sozinhos. Com o passar do tempo, o cenário foi se modificando e imaginei que seria a hora de tentar voltar com o pretexto de banda. Então, no final de 2003, lancei a “MegaDriver“, um projeto de banda, ainda que com membros fictícios, batizada em homenagem ao meu console do coração, o Mega Drive. O sentido do nome é como em “gamer”, o cara que curte “games” é um “gamer”, o cara que curte “Mega Drive” vira um trocadilho como “MegaDriver”.

O lançamento da MegaDriver foi um sucesso total, semanas depois de colocar o website no ar (www.megadriver.com.br) já tínhamos matérias em todas principais mídias de games nacional. Foi realmente uma surpresa e pedidos de shows começaram a surgir. No início ainda fazia apresentações solo, ao estilo workshop, mas depois acabei, finalmente, formando a banda de forma completa. Hoje somos em seis profissionais na banda, além de mim na primeira guitarra, temos o Brunão na segunda guitarra, Arthur no Baixo, Daniel Person na bateria, Allan Big Thunder nos vocais e Marks nos efeitos visuais. Já tivemos o prazer de tocar nos eventos mais importantes do seguimento de games e animes no Brasil, além de alcançar também o reconhecimento internacional.

3 – Sua guitarra com o rosto do Sonic é bem popular, como ela surgiu?

Antes da “Sonic Guitar”, eu criei a “Sega Guitar”, que na verdade foi a fusão de uma guitarra antiga minha e o meu primeiro Mega Drive, comprado em 1991. Em um domingão entediante, pensei na ideia esdrúxula de querer “tocar as músicas no Mega Drive“. Então criei coragem, peguei um serrote e de forma bem bruta fundi a guitarra ao Mega Drive. O resultado foi tão legal e a aceitação da galera foi tão grande que decidi fazer mais, só que desta vez fazendo bem feito. Projetei uma nova guitarra no computador, pedi ao Dudu Torres, um excelente artista que fez várias capas de álbuns da MegaDriver, para criar a arte e, com a ajuda de um amigo entusiasta de luthieria [profissional que trabalha com a construção e manutenção de instrumentos musicais], montamos a “Sega Guitar“. Esta guitarra se tornou realmente um símbolo da banda. Particularmente me apaixonei pela arte de criar instrumentos inspirados em games e não parei por ai, fiz o Thunderbass, um baixo inspirado no Gilius Thunderhead de Golden Axe e a Gouki Guitar, inspirado no Akuma da série Street Fighter. Apesar de todos os instrumentos serem bem populares, a Sonic Guitar é realmente a mais icônica e mais procurada pelos fãs no momento das fotos depois dos shows.

4 – Quais músicas da Sega/Mega Drive são as suas favoritas?

Não tem como não ser “manjado” aqui, não é mesmo? Yuzo Koshiro! Esse cara mudou a forma como eu jogo videogames. Streets of Rage, The Revenge of Shinobi, realmente estão no topo da minha lista em relação à trilhas sonoras. Veja bem, eu sou um cara do Metal, e Streets Of Rage é o oposto disso… para ter ideia do mérito que dou para ele, pois fez um headbanger nato curtir uma trilha dance. O primeiro Golden Axe, em especial o segundo, também possuem trilhas que me marcaram muito. Shadow Dancer é outro game que amo a trilha sonora! Para quem lembra do jogo, tive o grande prazer de reviver pessoalmente a cena do final do jogo quando fomos em turnê aos EUA. Em Nova Iorque, observando a Estátua da Liberdade no pôr do sol, numa cena idêntica à do game, a música ecoava dentro da minha cabeça. Minha lista é infinita, poderia passar horas citando, até mesmo por estilo se fosse o caso, Thunder Force IV, Zero Wing, Truxton, nossa vou longe… que tal um podcast sobre? Hahahah…

5 – Alguns anos atrás o MegaDriver tocou no Video Games Live, show internacional com trilha sonora de games. Como isso aconteceu? Qual a sensação de participar de algo tão grande?

Meu primeiro contato com a Video Games Live foi em 2006, quando fui assistir ao primeiro show no Brasil. Realmente achei sensacional e inovador e o evento sempre foi uma grande influência para mim. Por exemplo, foi vendo o ato em que eles traziam um expectador da plateia para jogar Space Invaders no palco que me deu a ideia de criar o nosso próprio Desafio Ken Masters. No nosso caso, ao invés de Space Invaders, o jogo é Street Fighter 2, onde o convidado joga contra um personagem Ken hackeado e extremamente difícil enquanto tocamos. Dois anos depois, em 2008, recebemos o primeiro convite para participar do evento e foi realmente um dos grandes momentos da banda. A aceitação do público foi tão boa que retornamos várias vezes e, hoje, faço inclusive parte da produção brasileira da Video Games Live.

6 – A pegada Heavy Metal no MegaDriver é indiscutível. Quais são suas principais influências?

Sou muito eclético dentro do Heavy Metal, escuto desde o mais tradicional até o mais extremo. Já tive várias fases nos meus quase 30 anos curtindo metal e ouvi de tudo. Era muito fã de Blind Guardian e os álbuns antigos, especialmente o Tales From The Twilight World, são uma grande influência no modo que toco guitarra. Gosto muito e me inspiro bastante no trabalho do guitarrista Manny Schmidt, ex Rage. Também sou fã de bandas mais extremas, como Dimmu Borgir, de onde tiro muita influência para escrever as linhas de bateria mais agressivas. Como já citei também, Bathory é uma grande influência, talvez nem tanto musicalmente mas como forma de inspiração. Mas, minha banda e artista favorito, acima de tudo, é King Diamond.

7 – Explique como é o processo de pegar a música de um jogo eletrônico e transformá-la para o som da banda. Quais são as mais difíceis de se tocar?

A ideia com a MegaDriver é realmente transformar as músicas em estilo Heavy Metal. Então, geralmente eu tento associar o estilo, dentro do Metal, que mais se encaixa com a proposta do jogo e possa soar legal com o tema original. As músicas de Golden Axe, por exemplo, combinam muito com Heavy Metal tradicional, estilo Iron Maiden, por exemplo. Já jogos como Altered Beast, já me lembram algo com mais pegada, de repente mais próximo de Manowar. Fizemos também uma música para o Akuma, de Street Fighter, que é um personagem mais demoníaco, então a música ficou muito próxima do Black Metal. Mas também existem jogos como Streets Of Rage, X-Men 2: The Clone Wars, Vectorman, etc, com trilhas sonoras mais “dance music” que na nossa proposta acabou ficando algo mais próximo de Rammstein, por exemplo. E as mais difíceis são aquelas que foram escritas de forma muito livre e jamais pensadas para serem tocadas na vida real. Top Gear é uma delas, ficou inclusive famosa por ser difícil de tocar. Mas, para dar um exemplo no console Mega Drive, as músicas do jogo Valis são assim. Flash Of Sword é, sem dúvida, uma das músicas mais difíceis que já toquei.

8 – Fãs da Sega provavelmente vão gostar bastante dos álbuns “Rise From Your Grave”, “MetalHog” e “Sword, Shurikins and Fists”, fale um pouco sobre eles.

Estes são álbuns que traduzem bem minhas preferências no universo do Mega Drive. Antes dos três citados, há o “Action Metal“, que traz uma seleção de jogos que são praticamente meus favoritos do console. Games como Altered Beast, Golden Axe 1 e 2, Shadow Dancer, Super Hang On, After Burner, etc. O “Sword, Shurikins and Fists” é uma homenagem direta a Yuzo Koshiro, um dos meus compositores favoritos, o álbum traz remixes das trilhas sonoras de The Revenge Of The Shinobi, Streets Of Rage 1, 2 e 3, e ActRaiser. Já o “Rise From Your Grave” é um álbum que resgata as origens da banda, que é não deixar que grandes clássicos caiam no esquecimento. Este álbum convoca vários games clássicos, considerados por muitos como “Lado B”, a se levantarem de suas tumbas! Muitos games excelentes e marcantes do Mega Drive estão lá, desde El Viento, Kid Chameleon, Quackshot, até Contra Hard Corps, Moonwalker, etc.

9 – Antigamente, quando você começou, o cenário de Game Music era visto com preconceito, como “coisa de criança”. Como você acha que está esse cenário atualmente? Há oportunidades para bandas de Game Music no Brasil?

Hoje em dia está na moda dizer é Nerd, Geek, Gamer, etc. Antigamente se você saísse falando que era fã de Chaves, MacGyver, Super Máquina e afins, você seria infinitamente zoado, mas hoje em dia você é excluído se você disser que não gosta de Game Of Thrones! Com a Game Music não é muito diferente disso. Hoje em dia todos querem gravar as músicas dos jogos e postar nas mídias sociais e, sinceramente, acho isso sensacional. Quanto mais bandas existirem tocando Game Music, maior o interesse do público e mais oportunidades surgirão para todos. Ao contrário de que muitos possam imaginar, eu sinto é falta de uma boa concorrência no cenário nacional e sempre incentivo a todos a embarcarem na Game Music.

Aqui no Brasil, o espaço para bandas como a MegaDriver é um tanto limitado. O cenário do Rock/Metal está muito moribundo há anos, então dificilmente existem oportunidades em bares e casas de show. No passado, quando os eventos de Anime estavam em alta, excursionávamos o Brasil inteiro tocando neles, fazíamos turnês grandes e muito divertidas. Hoje, esses eventos mudaram bastante e perderam um pouco suas origens. Os poucos eventos de Anime que restam, são mais parecidos com “YouTuber Fest” do que qualquer coisa relacionada à cultura japonesa. Porém, os grandes eventos de games estão fortes e, aos poucos, oportunidades musicais ainda surgem. Mas, fora do Brasil, a Game Music é muito forte e nosso foco, fatalmente, é internacional. Chegamos a ser headliner da MAGFest, um evento gigantesco com mais de uma década de existência no Estados Unidos cujo foco é exclusivamente bandas gamers. Você tem ideia do que é isso? É a Meka da Game Music… Sonho com o dia que possamos realizar uma MAGFest aqui no Brasil!

10 – Para finalizar, gostaria de compartilhar alguma história engraçada ou interessante com a banda? E quais são os planos para o futuro do MegaDriver?

Uma das coisas mais legais nesse meio é quando a gente percebe que algo que a gente plantou, mesmo que seja sem muita importância ou mérito algum, influenciou as pessoas de alguma forma. Isso, além de ser divertido, dá muita satisfação pessoal. Por exemplo, pesquise “MegaDriver” no Google. O primeiro resultado provavelmente será o site da banda, mas também serão retornados vários sites falando de jogos e emuladores de “Mega Drive”. Quando a banda surgiu, lá atrás em 2003, a gente poluiu a internet toda e, com o passar do tempo, os mecanismos de busca passaram a associar o nome da banda ao console. Hoje, muitas pessoas que conheceram o console através da Internet, chamam ele de “Mega Driver” por engano e, muitas vezes, eles nem sabem que a banda existe! Eu vejo direto nas mídias sociais o pessoal corrigindo autores dizendo que confundiram o nome do console com o nome da banda e me divirto muito! O mesmo acontece com nomes de música. Por exemplo, batizamos a música da primeira fase de Altered Beast de “Rise From Your Grave” e a da primeira trilha de Top Gear de “Mad Racer“, pois elas simplesmente não tinham título nos games e nós tivemos que inventar um. Hoje, muita gente usa esses nomes como se fossem oficiais, sem saber que lá atrás foram as bandas de Game Music que os inventaram. Isso é muito legal pois, por menor que seja, bandas como a nossa estão contribuindo de forma positiva para manter o cenário ativo.

Sem demagogia e, sendo literal, puxa-saquismo, tenho um carinho muito grande pela Tectoy. Você citou a Video Games Live e, realmente, tocar no evento foi um momento marcante para nós. Mas tão marcante igual a uma ocasião que guardo com muita satisfação na nossa história, foi um show que fizemos em uma festa da Tectoy, na época a “Tectoy 2.0”, acredito que quando estavam desenvolvendo o MD Play. Nesta festa, cada um da banda ganhou um Mega Drive (o modelo branco) de vocês, como forma de reconhecimento. Este console está aqui, guardado com muito carinho. Isto acabou não sendo abrangido na entrevista, mas fique a vontade em utilizar, inclusive. Muito obrigado pela oportunidade!

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O Blog Tectoy gostaria  de agradecer pela entrevista e desejar boa sorte para o MegaDriver! Para quem quiser mais informações, pode acessar o site oficial da banda,  o Facebook oficial ou ainda serviços de música digital como o Spotify e Deezer.