No Mês passado postamos em nossas redes sociais um vídeo – assista abaixo – de uma reportagem  sobre  a Primeira Olimpíada Brasileira de Videogames, realizada pela Supergame em 1992 e contando com 18 competidores – 17 garotos e uma menina.

Percebemos que a nostalgia desse torneio bateu forte em nossos leitores, então  procuramos e encontramos um dos competidores, o Luiz Reginaldo Almeida Fleury Curado,  que venceu o campeonato na categoria Master System.

Ele nos passou um relato detalhado de como foi essa experiência inesquecível, que contou como prêmio uma viagem para a Disney! Prepare a nostalgia e venha com a gente voltar para a década de 90 por meio das lembranças do Luiz desse inesquecível torneio!

*Alguns anos atrás o Luiz contou sua história para o Daniel Lemes do site Memória Bit, junto com outros participantes, vale a pena dar uma conferida!

ENTREVISTA

Luiz, conte sua história com os videogames e o campeonato da Supergame.

Minha história com o videogame é muito antiga, e posso dizer que essa paixão me acompanha desde minha infância.

Eu devia ter entre cinco ou seis anos de idade quando meu pai trouxe para mim e para meu irmão, de presente de Natal, um Atari 2600. Junto do videogame veio um cartucho, Bobby is Going Home, que devo jogado milhões de vezes.

Bobby is Going Home

Quase todos os meninos do meu setor também tinham um Atari. Muitos deles acabei conhecendo por causa do videogame. Lembro-me que um deles comentou que tinha um menino que tinha um jogo chamado Jungle Hunt, que eu ainda não tinha jogado, e que diziam que era muito legal. Peguei minha caixinha de sapatos, onde guardava minhas “fitas de Atari” e fui na casa desse menino. Quando ele atendeu à porta perguntei se ele queria trocar fitas. E nesse dia começou uma amizade que dura até os dias de hoje.

Alguns anos depois, na escola, um amigo me perguntou se poderia levar o videogame na minha casa para jogar. Ele disse que a mãe dele não o deixava jogar durante a semana, e por isso tinha levado o videogame para a escola, escondido na mochila, para jogarmos na minha casa depois da aula.

Nesse dia meu pai, vendo nós dois jogando Alex Kidd in Miracle World, me perguntou que videogame era aquele. E eu respondi que era o Master System, o videogame que todos os meninos estavam jogando. Expliquei para meu pai quais eram as diferenças daquele videogame para o Atari, que o Master System tinha 256 cores, que o Atari 16. Que era um videogame de 8 bits, uma nova geração de videogames.

E eu me lembro, como se fosse hoje, o dia em que meu pai me levou ao shopping, dizendo que iriamos ali para tomar sorvete. Nós entramos nas Lojas Americanas, ele me perguntou qual era o videogame que eu estava jogando com aquele meu amigo naquele outro dia. Eu mostrei, na prateleira, o Master System. Ele perguntou ao vendedor quanto custava. E pediu para ele pegar um, que iria levar. E naquele dia eu ganhei meu Master System.

Além do videogame, meu pai disse ainda que eu poderia escolher um jogo. Escolhi Choplifter, um cartucho mais barato, de 1 mega. Lá tinha também  o R-Type, de 4 megas, mas era muito mais caro, e estava fora de cogitação levá-lo.

Choplifter

Eu me lembro com carinho desse dia, porque tenho ciência de que meu pai, naquela época, não tinha condições de me dar aquele videogame. Dividiu o pagamento no máximo de parcelas possível. Mas mesmo sem condições ele fez isso por mim, porque sabia que aquilo era algo que eu queria muito.

Passado um tempo, apareceu o Mega Drive. Uma tia queria comprar para minhas primas, e me pediu para ajudá-la nessa compra. Fomos eu, essa tia, minha mãe e meu irmão. Minha tia comprou um para minhas primas, e minha mãe também comprou um para mim.

Veio então o Super Nintendo. E todos os meninos, em Goiânia, só falavam que na VideoGamia tinha chegado um, e que era possível pagar para jogar nele. A Videogamia era uma locadora de games que abriu na cidade, a primeira desse gênero. Fui lá conhecer o tal videogame.

Ele estava ligado em uma televisão de 21 polegadas, de tela plana, com som estéreo. E fiquei boquiaberto quando vi o Mario entrar no primeiro castelo do Super Mario World, pois o som estava alto e fazia vibrar as paredes da locadora. Foi uma paixão imediata. Agora eu queria um Super Nintendo.

Mas como eu disse antes, não tínhamos uma condição financeira tão boa assim. Embora eu tivesse um Atari, um Master System e um Mega Drive em casa, não tínhamos sequer um vídeo-cassete, eletrônico que todos tinham em casa. Meu pai disse que eu já tinha três videogames, e que não tinha condições de comprar mais um. Que inclusive era muito caro…

Então a VideoGamia decidiu fazer um campeonato de Mega Drive. O jogo era Sonic, e quem chegasse ao final do jogo mais rápido ganharia um Super Nintendo (na verdade, o console japonês, o Super Famicom). Eu e meu irmão vimos ali a oportunidade de conseguir o tão sonhado SNES. E naquele dia fizemos um acordo: um de nós dois iria ganhar aquele campeonato.

Sonic The Hedgehog

E treinamos. Treinamos muito. Eu imaginei que no dia do campeonato iria ter um monte de meninos gritando na nossa orelha só para tirar nossa concentração, então treinei em casa com o som da TV no máximo volume. Para treinar minha concentração, meu foco. Para estar atento ao jogo, e somente ao jogo, mesmo que o mundo estivesse caindo à minha volta. Eu queria aquele videogame, e como queria!

No dia do campeonato havia duas TVs. Eu e meu irmão fomos colocados um ao lado do outro, para jogar. E assim que começamos, os meninos começaram a gritar que a gente estava jogando igualzinho. Olhar em uma televisão e na outra era a mesma coisa, uma parecia reflexo da outra. Quem estava ganhando o campeonato, até então, era um menino chamado José Guilherme (que alguns anos depois, foi o campeão na categoria Mega Drive do concurso da Supergame). Ele tinha chegado ao fim do Sonic em 30 minutos.

Eu não ganhei esse campeonato da VideoGamia. Fiquei em segundo lugar. Mas meu irmão ganhou. E naquele dia ficamos conhecidos em toda a cidade como “os irmãos do videogame”. Eu cheguei no final do jogo em 28 minutos e meio, e meu irmão conseguiu em 28 minutos. E os donos da locadora, o Abel e a Meire, de quem me lembro com muito carinho, entregaram para meu irmão o tão sonhado videogame. Eu recebi, pelo segundo lugar, o cartucho The Revenge of Shinobi, que joguei até não poder mais no Mega Drive, e que até hoje é um dos meus jogos favoritos.

The Revenge of Shinobi

As locadoras de games, em Goiânia, começaram a aparecer por todo lado. E, como era inevitável, apareceu um grande campeonato na cidade, patrocinado por diversas locadoras. O campeonato era de Mega Drive, e ia ser realizado em um grande shopping da cidade, o Shopping Bogainville. E uma locadora, a GameMania, sabendo que eu e meu irmão havíamos vencido o campeonato da VideoGamia, entrou em contato com a gente dizendo que queria nos patrocinar. Poderíamos pegar lá qualquer jogo que quisesse. Poderíamos jogar na locadora o quanto quisesse. E no dia do campeonato usaríamos uma camiseta com o nome da locadora. Nesse dia eu estava entrando em uma equipe, junto com outros meninos, o sonho de todo gamer.

Nesse campeonato mais uma vez encontrei o José Guilherme. E também muitos bons jogadores. Entre eles estava o Eudes Shiraishi, dono da Games Club, na época a maior locadora de games da cidade. Ele também estava participando do campeonato. Consegui me classificar para a final, e também o José Guilherme. O jogo da final seria escolhido entre QuackShot, Decap Attack e outro que já não consigo mais me lembrar. Ganharia o campeonato quem chegasse ao fim do jogo mais rápido. Então sortearam Decap Attack, e eu ganhei. O José Guilherme levou o segundo lugar.

Decap Attack

O prêmio era uma viagem para assistir a uma corrida de Fórmula 1 em São Paulo. Como não tinha direito à acompanhante, e eu não tinha nem 15 anos de idade, preferi pegar o dinheiro da viagem e guardar, para um dia comprar um Sega CD.

Veio então o campeonato da revista Ação Games. E o campeonato funcionava assim: quem quisesse se classificar para a final teria de bater foto do seu recorde e enviar para a revista. Havia várias categorias, e você poderia bater a foto de um jogo de Master System, de Mega Drive, de Nintendo ou de Super Nintendo para tentar se classificar. O jogo de Master era o Space Harrier, e foi esse que escolhi para bater o meu recorde. Mais uma vez jogamos juntos, eu e meu irmão. Enviamos nossas fotos e conseguimos nos classificar, os dois. Fomos disputar o campeonato com os outros classificados, eu fui para final e fiquei com o segundo lugar. Meu irmão ficou em quarto lugar.

O que eu mais queria, nesse campeonato, não era o prêmio, mas o título. Por toda minha história com o videogame, eu queria ser o campeão. Mas não fui. O Cláudio Tomé dos Santos, um paulista, jogou melhor do que eu e levou o merecido primeiro lugar. E junto do prêmio, o título de campeão.

Campeonato Ação Games

Então veio o campeonato da SuperGame. E agora, a fase de classificação para disputar as finais em São Paulo iria acontecer durante vários meses. E seriam duas categorias: Master System e Mega Drive. Cada mês havia um jogo diferente para bater a foto e se classificar.

Todos os meninos de Goiânia só falavam nisso, estavam batendo seus recordes e enviando para a revista. Eu mandei meu recorde no primeiro mês, mas não consegui me classificar.

No segundo mês, a surpresa: consegui a classificação na categoria Master System. E nesse mesmo mês, na categoria Mega Drive, também o José Guilherme conseguiu se classificar. No mês seguinte, para minha surpresa, dois outros meninos do meu setor conseguiram se classificar, na mesma categoria que eu: o Márcio e o Dani.

Me lembro de um dia em que tocou o telefone e era o Eudes, dono da Games Club, querendo falar comigo. Ele disse que queria me patrocinar para o campeonato da Supergame. Falou que eu poderia pegar na locadora dele qualquer jogo, de Master, de Mega, de Super Nintendo. Que poderia jogar na locadora o quanto quisesse, poderia jogar NeoGeo, que se quisesse poderia jogar nas máquinas de fliperama, ele me daria as fichas. Disse ainda que, caso eu encontrasse um jogo em outra locadora, e ele não tivesse esse jogo, que eu poderia pegar. E ele pagaria a locação.

E eu fiz isso. Joguei todos os jogos de Master que consegui encontrar nas locadoras de Goiânia. Joguei Mega Drive, joguei Super Nintendo.

O José Guilherme recebeu o patrocínio da Games Club, assim como o Márcio e o Dani. Como os dois haviam se classificado para a categoria Master System, propuseram treinar comigo. Mas logo nos primeiros dias  eu percebi que a intenção deles era conhecer minhas estratégias, e não compartilhar comigo as estratégias deles. Disse a eles, então, que iria treinar sozinho.

Varrendo as locadoras de videogame de Goiânia, eu encontrava jogos raros de Master System. Eles ficavam sabendo e pediam para o nosso patrocinador me ligar dizendo que eu deveria emprestar o jogo para eles treinarem também. E eles pegavam esses jogos comigo e não me devolviam.

Como não poderia contar com os jogos, para treinar, comecei a gravar em vídeo algumas jogadas. Eu colocava o vídeo para rodar, pegava o controle, sentava na frente da televisão e memorizava as jogadas com o videogame desligado. Parecia coisa de maluco, mas era assim que eu treinava. Gravei minhas jogadas no Sonic, no Paperboy, no Sonic 2, e diversos outros jogos.

Quando fomos para São Paulo disputar o campeonato, fiz questão de chegar lá vestindo a camiseta da Games Club. Era o mínimo que eu poderia fazer pelo Eudes, que me emprestou jogos da sua locadora, que me permitiu jogar lá quando quisesse, que pagou locações que fiz em outras locadoras. Era o mínimo que eu poderia fazer por alguém que me estendeu a mão, que acreditou em mim.

No dia do campeonato haveria uma semifinal, e apenas quatro participantes iriam para a final, em cada categoria. Os jogos ninguém sabia qual seria. Foi então divulgado que jogaríamos na semifinal Gauntlet, um jogo que ainda não havia sido lançado no Brasil, que nem eu nem ninguém ali tínhamos jogado antes. Pelo menos, não no Master System. Tinha esse jogo no Nintendo, mas eu nunca tive um Nintendo.

Gauntlet

No campeonato, o que valia era a pontuação que estivesse na tela quando a comissão organizadora decretasse o fim da bateria. Não importa quantas vezes você morresse, o que valia era o que estava na tela na hora do “pare”. Se você morresse, seus pontos zeravam.

Começou a semifinal. Ao lado de cada jogador havia um fiscal controlando o tempo. Eu vi diversas pessoas morrendo e começando novamente o jogo lá do início, com a pontuação zerada. Eu estava lutando para isso não acontecer comigo.

Então um dos fiscais anunciou que faltava um minuto para terminar a semifinal. Olhei para o lado, e vi o Dani e o Márcio largarem o controle, dizendo que estavam parando para ficar com a pontuação que estava na tela. Eles tinham muito mais pontos que eu. E também outros participantes estavam na minha frente.

E foi nesse momento em que fechei os olhos, e pedi a Deus que me ajudasse. E quando abri os olhos, apareceu na tela a palavra Bonus Stage. Era uma fase onde você ganhava muitos pontos, mas você tinha de encontrar a saída para os pontos serem computados.

O fiscal começou a contagem regressiva para terminar a semifinal, e eu estava pegando todos os bauzinhos que podia, tentando encontrar a saída. “Dez”, “nove”, “oito”, o fiscal dizia, e eu correndo para a saída. Quando ele por fim gritou “um, terminou!”, entrei na saída, e os pontos começaram a girar na tela. O fiscal ficou alarmado, dizendo que não conseguia ver a pontuação, que tinha de parar aquela contagem. Alguém falou que não tinha como parar de girar os números. E eu estava de cabeça baixa, rezando, pedindo a Deus que olhasse por mim.

Quando os números pararam de girar, a surpresa: eu estava em segundo lugar, e iria para a final. O Dani tinha ficado em primeiro lugar. O Márcio e o Daniel Pontes, o mais novo dos competidores ali presentes, também iram para a final.

Para surpresa de todos, havia três goianos na final da categoria Master System. E o José Guilherme também havia se classificado para a final na categoria Mega, em primeiro lugar.

Disseram então que seria sorteado o jogo da final. E anunciaram que seria o Sonic 2.

O Márcio e Dani comemoraram essa escolha, porque eles tinham jogado bastante esse jogo. Eles estavam confiantes, e vieram me perguntar se eu sabia que, se você passasse de qualquer fase em menos de 30 segundos, ganharia 50.000 pontos. Se você passasse da fase em mais de 30 segundos, o máximo que poderia ganhar era algo na faixa de 1.000 pontos.  A estratégia era clara: passar das fases o mais rápido possível, em menos de 30 segundos.

Eu me fiz de desentendido sobre isso, e achando que eu não conhecia a estratégia o Márcio cantou vitória, como se já tivesse ganhado o campeonato. Disse que, para meu consolo, ele seria o campeão, o Dani tiraria o segundo lugar, eu ficaria em terceiro. Nós três ganharíamos os três primeiros prêmios, que eram as viagens para Disney.

Ele só não contava com uma coisa. Os dois tinham treinado apenas as primeiras fases do jogo, achando que isso seria suficiente caso o jogo fosse escolhido para o campeonato.

E eu havia treinado todas as fases.

Não consegui passar da primeira fase em 30 segundos, mas consegui fazer isso na segunda fase, na terceira, e em várias outras. O Márcio e o Dani não fizeram isso. Quando não conseguiam alcançar os 30 segundos nas primeiras fases, apertavam o reset do videogame. Se conseguiam na primeira fase e não conseguiam na segunda, apertavam o reset.

Eu me lembro que toda a imprensa estava rodeando o Dani na final, pois ele era o favorito. Ele havia sido o vencedor da semifinal. Um único fotógrafo havia se sentado ao meu lado, desejando-me boa sorte.

Eu me lembro do fiscal anunciando que faltava um minuto para acabar a final, e me lembro de escutar um repórter perguntar ao Dani quantos pontos ele tinha. Quinhentos e poucos mil. O Márcio estava com uma pontuação parecida, o Daniel estava com pouco mais de cinquenta mil pontos.

Foi quando escutei alguém gritar: “O outro ali está com mais de um milhão de pontos!“.

E veio então aquele amontoado de repórteres com flashs, câmeras e filmadoras em volta de mim. Desviei os olhos da televisão e olhei para o lado. O Dani, o Márcio e o Daniel haviam soltado seus controles e estavam olhando para mim, de boca aberta.

Larguei então o meu controle e me levantei, com as lágrimas descendo pelo rosto. Minha mãe apareceu entre aquele monte de repórteres e me abraçou, também bastante emocionada.

O José Guilherme venceu o campeonato na categoria Mega Drive.

E eu venci o campeonato na categoria Master System.

O treinamento para chegar à final foi muito difícil?

Não digo difícil, mas trabalhoso. Nas etapas classificatórias, o ideal era conseguir a pontuação máxima no jogo. Mas, para isso, às vezes era necessário deixar a televisão ligada durante uma semana inteira, jogando de 10 a 12 horas por dia. Em alguns jogos, era teoricamente impossível alcançar a pontuação máxima: para isso seria necessário deixar a televisão ligada durante um mês inteiro.

E eu também contava com outro tipo de imprevisto: a luz poderia cair a qualquer instante, como já tinha acontecido antes. Além disso, aconteceu de outros meninos, que também estavam batendo fotos para enviar para a revista, desligarem o relógio de luz da minha casa, porque sabiam que eu estava tentando bater o meu recorde.

Como você se preparou  para jogar a grande final do campeonato?

Como disse acima, treinei muito para conseguir chegar na final. Joguei todos os jogos de Master System que consegui encontrar, joguei jogos de Mega Drive que poderiam melhorar meus reflexos, como o Shadow of the Beast. Mas essa preparação não veio só da época do campeonato, ela veio de toda minha história com o videogame.

Ela nasceu daquela vontade de ter um Super Nintendo, lá no campeonato da VideoGamia, e foi reforçado com a vontade de ganhar o campeonato da Supergame, coisa que eu não tinha conseguido no campeonato da revista Ação Games.

Shadow of the Beast

Quais as maiores diferenças dos campeonatos de antigamente e os atuais, que chegam a ter grandes premiações em dinheiro, em sua opinião?

Vejo que os campeonatos de antigamente são muito diferentes dos campeonatos de hoje. Hoje, joga-se um contra o outro, e vence aquele que tem a melhor estratégia. Os campeonatos de antigamente eram interessantes porque era só você e o jogo, e vencia aquele que fizesse a melhor pontuação, ou que conseguisse um melhor resultado. Hoje existe um ganhador e um perdedor. Antes, todos eram ganhadores. A vitória não era conquistada em cima da derrota de outro jogador. Sinto-me agradecido por ter participado daquela geração em que o videogame dava seus primeiros passos.

Como é a sua vida de gamer atualmente?

Acredito que cada tempo tem seu tempo, e hoje minha vida é bem diferente daquela em que eu participava dos campeonatos de videogame.  

Atualmente sou casado, tenho dois filhos pequenos, trabalho o dia inteiro. Naquela época eu só estudava, tinha todo o tempo do mundo.

Hoje o tempo que tenho é contado. Mas mesmo assim de vez em quando ainda encontro um tempinho para jogar. Tenho em casa um Xbox 360, um PS4 e um Wii U.

O PS4 só eu jogo, porque os games, em sua maioria, não são para crianças. Já o Wii U é exclusivo dos meninos. Eles amam o Sonic e o Mario, principalmente o Super Mario World, que para eles é o melhor de todos.

O que você acha desse revival do retrogaming, com vários consoles clássicos voltando ao mercado?

Vejo isso como um saudosismo. As pessoas jogam esses jogos antigos porque eles trazem recordações de um tempo passado, de tempos felizes. É como olhar uma fotografia e se lembrar do momento em que aquela imagem foi registrada: isso faz aflorar em você todo um conjunto de sentimentos, de lembranças.

Percebo o recente lançamento dos videogames de antigamente, Master System, Mega Drive, Atari, Super Nintendo. E acho isso muito interessante. Gosto dos jogos dos novos consoles, mas confesso que nos jogos de antigamente havia uma magia que os jogos de hoje não tem.

Quais as melhores lembranças que você tem do Master System e do Mega Drive?

Eu me lembro com muito carinho desses dois videogames, e em especial do Master System. Esse é um videogame que me traz a lembrança daqueles dias, na minha infância, em que meu amigo da escola levava seu Master escondido na mochila para jogarmos na minha casa, depois da aula. Também, quando penso nesse videogame, lembro daquele dia em que meu pai, mesmo sem condições, comprou um para mim. Lembro que foi o Master que tornou possível minha classificação para o primeiro campeonato brasileiro de games, o campeonato promovido pela revista Ação Games. E lembro também que foi também o Master que me classificou para disputar as finais do campeonato da Supergame.

O Mega Drive, por sua vez, foi um videogame pelo qual me apaixonei desde o primeiro momento. Que me acompanhou durante muitos anos, que rendeu momentos memoráveis na minha vida, com seus jogos inesquecíveis, com os momentos em que passei curtindo eles com amigos. E foi o Mega que permitiu que meu irmão ganhasse um campeonato de videogame em Goiânia, que tinha como prêmio um Super Nintendo, e que permitiu que eu conseguisse nesse mesmo campeonato o segundo lugar. Pelo qual recebi como prêmio o cartucho clássico The Revenge of Shinobi.

Quais os seus jogos favoritos nestes consoles e por quê?

É difícil apontar meus jogos favoritos no Master System, até porque tenho vários favoritos. Mas vamos lá! Em primeiro lugar, sem muito pensar, coloco no topo da lista Alex Kidd in Miracle World. Não só porque é um dos jogos que meu amigo levava para jogarmos depois da aula, o que tem toda uma relação com a lembrança daqueles tempos, mas também porque é um jogo envolvente, bonito, muito bem elaborado. Posso dizer que foi o jogo que me fez querer ter um Master System. Um jogo que até hoje sinto vontade de jogar.

Na minha lista de favoritos também não deixo de fora os dois jogos do Sonic, e em especial Sonic 2, que foi justamente o jogo escolhido para a final do campeonato da Supergame. Ambos são jogos fantásticos, que possuem um encanto próprio; não são uma mera cópia ou uma versão inferior dos seus equivalentes no Mega Drive. Muito pelo contrário! Eles trazem para o Master uma aventura totalmente reformulada e original do nosso saudoso porco-espinho azul.

E o mesmo posso dizer da versão de Castle of Illusion para o Master, que se trata de um jogo espetacular, original, e bem diferente daquele existente no Mega Drive.

Continuando a lista de favoritos, incluo também R-Type, Shinobi e Golden Axe, jogos que tiveram uma excelente adaptação do arcade para o console. E também incluo clássicos como Cloud Master, Fantasy Zone 2, Astro Warrior, Aztec Adventure, Wonder Boy, Lucky Dime Caper (Pato Donald), Alex Kidd in Shinobi World, Kenseiden e um dos melhores jogos do Master System, na minha opinião: Golvellius – Valey of Doom. Que jogaço!

E como não lembrar dos revolucionários óculos 3D, a sensação de jogar Maze Hunter 3D e Space Harrier 3D com eles? Como não lembrar do maravilhoso trabalho de tradução feito pela Tectoy, que traduziu para nossa linguagem Phantasy Star? E as adaptações de jogos com personagens queridos pelas crianças, que tornaram possível a produção original e exclusiva no Brasil, de Mônica no Castelo do Dragão? Que trabalho maravilhoso, Tectoy! O Master System me traz muitas boas lembranças, e só tenho a agradecer a vocês por terem feito tudo isso por nós, jogadores daquela geração!

Agora, falando do Mega Drive, como não lembrar de clássicos como Sonic, Altered Beast, Golden Axe, Moonwalker, The Revenge of Shinobi, Thunder Force, dos diversos Streets of Rage? Como não lembrar de Kid Chameleon, Quackshot, a dupla ToeJam e Earl? E como não ter na memória RPGs maravilhosos como Phantasy Star, Shinning Force, Sword of Vermilion?

As músicas do Sonic são tão bonitas, tão envolventes, que até hoje estão gravadas na nossa memória. Elas inclusive fazem parte do repertório da turnê mundial do Video Games Live. Tive a oportunidade de estar em um dos shows dessa turnê, quando ela passou por Brasília, cidade onde moro, e confesso que fiquei emocionado ao ouvir a música da Green Hill Zone sendo tocada pela orquestra filarmônica de Brasília, acompanhada das imagens do meu querido personagem correndo pela imensa tela de projeção.

E não foi por puro saudosismo essa emoção. Foi jogando Sonic do Mega Drive que eu e meu irmão vencemos aquele campeonato de videogame em Goiânia. Foi jogando Sonic 2 do Master System que conquistei o primeiro lugar no campeonato da Supergame.

Sobre o campeonato da Supergame, você chegou a conhecer o lendário “Chefe”? O que achou dele? E a “motorista”, estava lá?

Quando o Chefe chegou, houve uma grande movimentação no McDonalds, que foi o lugar escolhido para realização da final do campeonato. Agora me falha um pouco a memória, pois isso aconteceu em 1992, mas não me lembro de ter conversado com ele. Mas me lembro dele ter vindo me parabenizar quando o campeonato na categoria Master System chegou ao fim.

Ele estava sendo muito assediado naquele dia, e sorria o tempo todo. Foi uma grande surpresa ele aparecer na final, ninguém sabia que ele faria isso. E ele era, na época, um personagem que acabou se tornou uma lenda naquela geração, graças à revista Supergame. Se tem algo do qual me arrependo, é de não ter tirado uma foto com ele para poder mostrar aqui nessa entrevista.

Sobre a motorista, confesso que não cheguei a vê-la… Acho que nem chegou a descer do carro. Como disse o próprio Chefe, com tantos garotos ali, acredito que achou melhor não arriscar…

o lendário Chefe em uma rara aparição no torneio da Supergame

Você chegou a ficar famoso na época quando venceu o campeonato? O que a sua família, amigos ou colegas de trabalho acham dessa sua história atualmente?

Na época eu ia muito em uma locadora de games, a Games Club. A mesma locadora de games que me patrocinou no campeonato. Lembro que depois do campeonato alguns meninos vieram pedir para tirar foto comigo, pedir autógrafo. Eu sempre escrevia algo como “você também pode ser um campeão. Só depende de você“. Teve um que me desafiou para uma partida de Street Fighter, e me venceu. Ficou todo feliz, dizendo que agora era ele o campeão brasileiro. 🙂

Minha família, meus amigos, todos que conheço e que vivenciaram aquela época ao meu lado lembram daquele tempo com um grande sorriso no rosto. E os que não não vivenciaram aquele momento comigo ficam muito felizes, porque quase todo mundo que conheço viveu essa época de ouro dos games, e guarda boas lembranças daquele tempo.

Meus pais, depois dos campeonatos, passaram a ver o videogame com outros olhos. Eles me incentivaram, me apoiaram, não só nisso, mas em todas as escolhas que fiz na minha vida. Tenho eles como uma referência e um modelo do que ser como pessoa, como pai para meus filhos.

Meus filhos adoram videogame, e se um dia quiserem participar de um campeonato, se quiserem se tornarem profissionais, terão todo meu apoio. Só coloco uma condição: me colocar na equipe. 🙂

jornal de Goiânia com Danni, Luiz e Márcio em frente à Game Club

Quais os jogos mais desafiadores daquela época?

Essa pergunta é bem interessante, mas para mim a resposta não é tão difícil assim: comparado com os jogos dessa nova geração, posso dizer que quase todos os jogos do Master System, e também do Mega Drive, eram bastante desafiadores. E digo isso porque naquela época, salvo raras exceções, não existia o famoso “continue” encontrado nos novos jogos. Então, se você estivesse jogando e perdesse todas as vidas, teria de recomeçar lá do início do jogo.

Quem não se lembra de chegar no castelo do Alex Kidd, perder a última vida, e ter de recomeçar a partida outra vez? Ou da fase 7 do R-Type, onde se por descuido você fosse atingido por um tiro, seria quase que impossível passar para o nível seguinte?

Quem jogou Alien 3, Sol-Feace e Shadow of the Beast, no Mega Drive, certamente irá se lembrar de ter passado por maus bocados. No Master, lembro de um jogo que era impossível de se jogar: Back to the Future.

Em sua opinião, qual a maior diferença entre os videogames daquela época para a atual geração, além dos avanços tecnológicos?

Os jogos de hoje são muito mais elaborados, e fazer uma comparação com aqueles daquele tempo é muito difícil. Os jogos dessa nova geração fascinam pela sua beleza, pelo enredo das suas histórias, pelas músicas muito bem trabalhadas. Quando começo a jogar alguma coisa no PS4, por exemplo, às vezes largo o controle e até me esqueço do jogo. Fico só admirando a riqueza de detalhes do game.

Mas mesmo com tantos pontos positivos, percebo que os games da nova geração tem um problema… Eles são muito longos. Na verdade, longos demais. Para você chegar ao fim de um jogo, terá de passar muitas horas na frente da televisão. E às vezes, horas demais. Quando finalmente o jogo termina já estamos cansados dele, e raramente voltamos a jogá-lo outra vez.

Na época do Master, do Mega, jogávamos um mesmo jogo não uma única vez, mas dezenas de vezes. Tudo bem, sejamos honestos, os jogos eram muito mais curtos. Eles não tinham os gráficos de hoje, a mesma riqueza de detalhes. Mas eles tinham seu encanto. Tinham sua magia. E é essa magia que nos fazia retornar a eles uma, duas, dezenas de vezes. É essa magia que nos fazia terminar o jogo e ter vontade de viver aquela aventura mais uma vez. Quem vivenciou aquela geração sabe do que estou falando.

Quais são suas considerações finais sobre o torneio?

Tive a sorte de ter pais que sempre estiveram do meu lado, me apoiando, me incentivando, inclusive na época em que eu comecei a encarar os games com a seriedade que os campeonatos exigiam. Tive a sorte de encontrar pessoas que acreditaram em mim, como o Eudes da Games Club. Tive a sorte de encontrar pessoas dispostas a tornar realidade o sonho de uma criança, como fizeram o Abel e a Meire da VideoGamia, de quem ganhei meu tão sonhado Super Nintendo.

O que tenho a dizer sobre esse torneio é que ele foi e sempre será uma das grandes lembranças que carregarei na minha vida. Porque esse torneio foi para mim não somente um desafio, mas também uma superação, algo com que sonhei durante toda minha infância e juventude. Agradeço a Deus por ter me ajudado a realizar esse sonho.

Eu me formei em Ciência da Computação, fiz mestrado em Inteligência Artificial. E segui esse caminho porque os jogos sempre me fascinaram, sempre me encantaram, e a vontade de descobrir que inteligência era essa que conseguia fazer frente à nossa própria inteligência, que era capaz de nos desafiar, de nos fazer rir e chorar na frente da televisão, me fez seguir por esse caminho.

Com o videogame aprendi a ter persistência, ter paciência, a lutar em busca de um objetivo, a aceitar as perdas e reconhecer as conquistas da vida. Eu devo ao videogame minha carreira, e muito do que tenho hoje talvez tenha sido fruto daquele primeiro Atari que ganhei, quando criança.

Para finalizar, gostaria deixar alguma dica para as pessoas que gostariam de participar de campeonatos de retrogaming?

Sim, vamos lá! Primeiro, não queira ser melhor que outra pessoa, e sim melhor que você mesmo. Aquele que hoje você vê como seu rival, amanhã pode se tornar seu melhor amigo. E trabalhando juntos vocês podem fazer muito mais do que simplesmente fazendo isso sozinho.

Eu e meu irmão vencemos aquele primeiro campeonato, anos atrás, trabalhando juntos. O José Guilherme, que nesse mesmo dia era nosso rival, tempos depois acabou se tornando um grande amigo.

Um campeonato não se resume a ganhar ou perder. Existe algo muito mais valioso por trás disso: a experiência vivenciada, as amizades que você faz, as pessoas que conhece.

Tenha em mente que você pode ganhar hoje, mas pode perder amanhã. Tenha a humildade de reconhecer que existem pessoas melhores que você. Não ganhei todos campeonatos que participei, e tenho a  consciência de que aqueles que me venceram foram melhores do que eu. E fizeram por merecer o resultado que conseguiram.

A propósito, se souber de algum campeonato retrogamer, me avise! Quem sabe eu não participo também?

HOMENAGEM PARA DIONISIO CASON

O Blog Tectoy também aproveita esse espaço para homenagear Dionisio Cason, um dos competidores do campeonato da Supergame e que na época tinha 36 anos – ele aparece no vídeo da reportagem.

Infelizmente Dionisio faleceu recentemente, aos 69 anos de idade. Ele era conhecido como um dos maiores gamemaníacos dos anos 80 e 90, deixando seu nome registrado em vários recordes em revistas da época, inclusive no Livro dos Recordes do Master Club da Tectoy – confira mais abaixo.

Deixamos aqui nossa homenagem para essa verdadeira lenda dos games!

Imagens: Sega-Brasil
Imagens: Sega-Brasil

BONUS STAGE

O Luiz abriu seu baú de raridades e nos passou vários scans de reportagens sobre os campeonatos, incluindo uma matéria com o Dionísio. Prepare sua máquina do tempo e confira abaixo as matérias: