Após alcançar grande sucesso na década de 90 com jogos de esportes como o futebol americano com a série John Madden Football, jogos de basquete da NBA e disputas de gelo no Hockey NHL, ainda faltava um esporte para a Electronic Arts dominar: o futebol tradicional, ou como os americanos chamam, o “soccer”.
E foi com essa ideia em mente que um pequeno grupo da divisão europeia da empresa iniciou o projeto que viria a ser “FIFA International Soccer” (também conhecido como FIFA 94), lançado em dezembro de 1993 para o Mega Drive. Mas não antes sem várias dificuldades e a constante sensação do projeto ser cancelado a qualquer momento pela sede EA Sports.
Isso porque “havia um grande ceticismo dos executivos nos EUA sobre o futuro do futebol. Ninguém se importava com o esporte“, revelou em entrevistas Trip Hawkins, o fundador da EA. Diferente do basquete ou futebol americano, o futebol tradicional nunca teve um grande apelo nos EUA já desde aquela época e até os dias de hoje.
Os programadores temiam que o jogo pudesse ser cancelado a qualquer momento. “A EA não dava a mínima para a FIFA“, comentou sem rodeios Neil Thewarapperuma, chefe de marketing da EA Sports em 1993 sobre o projeto, que tinha o chinês Jan Tian como um dos principais desenvolvedores.
imagens do protótipo que viria a ser FIFA International Soccer
Quando Tian viu o protótipo feito pelos designers freelancer Jules Burt e Jon Law, ficou surpreso. “O ponto de vista era revolucionário“, disse em entrevista, referindo-se à visão isométrica do jogo, diferente da tradicional visão área utilizada pelos games famosos da época como “Sensible Soccer” e o “Kick Off”.
“E, ao contrário dos jogos de futebol anteriores, em que a bola parecia colada ao pé do jogador, na demo de Burt e Law, o jogador arremessou a bola para a frente e teve que correr atrás dela. Parecia futebol de verdade. Eu queria fazer exatamente isso. E eu queria fazer melhor“, comentou Tian.
Nesta fase o jogo ainda não se chamava FIFA, sendo que os executivos norte-americanos queriam batizá-lo como “Team USA Soccer”, o que claro não agradou à equipe de desenvolvimento do jogo. “Eu passei muito tempo trabalhando para manter a organização dos EUA afastada“, relembra Mark Lewis, um dos executivos da divisão britânica da empresa.
Assim como os outros títulos de esportes da empresa, a ideia era negociar um acordo com o corpo diretivo do futebol internacional para usar seu nome e dar o ar de autenticidade que a EA ansiava, no caso a FIFA.
Tom Stone, vice-presidente de marketing da EA Europa, ficou encarregado de cuidar dos detalhes da licença oficial. “Meu primeiro trabalho na EA foi pegar um avião e ir direto para Suíça conversar com a FIFA. Me sentei com o diretor de Marketing da ISL, que representava a FIFA, nós demos as mãos e fizemos o acordo lá na hora e depois fomos jantar. Literalmente licenciamos quatro letras maiúsculas e pagamos uma taxa de royalties muito, muito baixa“.
Tudo parecia certo, até descobrirem um problema: “Só depois nós descobrimos que não podíamos usar os nomes e aparências dos jogadores e escudo dos times porque o futebol não tinha uma organização comercial como as outras ligas americanas“.
Stone acrescenta: “De certa forma, ao pedirmos esses direitos, nós acabamos ajudando o futebol a se organizar. Eu tive que ir para a FA, a Premier League, a PFA e assim por diante. Falei com muitas pessoas que batiam a cabeça: quem detém o direito pelos nomes dos jogadores mesmo? E dos estádios? Esses caras estão perguntando sobre esses direitos“.
Na sede da EA na Califórnia, no entanto, ninguém prestou muita atenção. “Quase nenhum interesse foi mostrado pelos americanos“, diz Stone. “Eu digo isso respeitosamente, mas a razão pela qual FIFA é tão bem sucedido é que o jogo foi desenvolvido e publicado longe da matriz“.
Como o acordo de licenciamento completo só sairia alguns FIFAs depois, a equipe de desenvolvimento resolveu se colocar dentro do jogo, e assim Matt Webster virou jogador da Inglaterra, Joey Della-Savia optou pela Azzurra e Jan Tian virou o matador da Seleção Brasileira Janco Tiano.
equipe que trabalhou em FIFA International Soccer, em destaque Jan Tian, que virou Janco Tiano no game
O projeto foi finalizado no mês de setembro e os preparativos para o lançamento no Reino Unido, onde o futebol tradicional é tão apreciado quanto aqui no Brasil, começaram, agora devidamente batizado de “FIFA International Soccer“.
Na primeiríssima capa do jogo estavam David Platt, meio-campista da Inglaterra e estrela da Serie A, e Piotr Świerczewski da Polônia – os dois países se enfrentaram na época para qualificação para a Copa do Mundo de 1994, com vitória dos ingleses. No Brasil, e demais regiões, o jogo foi lançado com capa com jogadores da Irlanda e Holanda, com destaque para o jogador Ruud Gullit.
São 48 seleções disponíveis e mais um especial chamado EA All Stars, cada uma com 20 jogadores.
Após o sucesso do primeiro jogo, a EA percebeu que tinha uma mina de ouro nas mãos e se esforçou para obter os direitos de imagem de tantos clubes, estádios e jogadores quanto possível. No ano seguinte, o FIFA 95 incluiu clubes de oito diferentes ligas nacionais, incluindo a Premier League.
as duas capas usadas para FIFA International Soccer
Na época da Copa do Mundo de 1998, a FIFA havia percebido que tinha tinha desvalorizado sua licença e, quando chegou a hora de renegociar o contrato, o preço aumentou. A EA foi forçada a negociar uma teia de licenças cada vez mais complicada para garantir os direitos das grandes equipes, jogadores e até comentaristas, que entravam no estúdio e improvisavam comentários.
Hoje em dia um jogo da FIFA conta com orçamentos altíssimos e equipe com mais de 100 pessoas, além de licença de vários clubes, estádios e atletas para a reprodução virtual o mais realística possível. E pensar que essa franquia milionária começou apenas com um grupo com pouco mais de 10 pessoas, praticamente no fundo do quintal, desenvolvendo um projeto que poderia ser cancelado a qualquer momento pela matriz.
É, são histórias do futebol, e com certeza “FIFA International Soccer” guarda muitas delas!
